História do Plantio Direto no Brasil

O ano é 1971, mês de outubro, em uma pequena cidade paranaense. Um agricultor de soja observa os relâmpagos indicativos de uma forte chuva por vir, através da janela, e teme pelo seu futuro. As viradas de tempo sempre o preocuparam, mas desta vez é diferente.

Munido de um lampião, galochas e um guarda-chuva, nosso personagem vai à lavoura e presencia, em pouco mais de uma hora, um trabalhou árduo inteiro de produção agrícola ser literalmente levado pela chuva.

Fonte: Unsplash.

Nos momentos seguintes, uma tomada de decisão ocorreria, com desdobramentos futuros sobre os quais nosso personagem (futuramente chamado, por alguns, de “o alemão louco de Rolândia”) não poderia ter ideia.

Mas afinal, o que é Plantio Direto?

A erosão é um tipo de dano geológico muito conhecido, caracterizado pela sedimentação do solo devido ao desgaste por ações climáticas, ou até mesmo antropogênicas.

À época, tanto o “alemão louco” quanto outros agricultores sofriam com intensas erosões após chuvas fortes, em partes potencializadas pelos processos de tratamento do solo utilizados até então, relacionados aos sistemas tradicionais de cultivo.

Plantio Direto
Operação de plantio de soja sobre palhada da cultura anterior. Fonte: John Deere.

Os tratamentos de solo em questão eram aqueles utilizados na Europa, cujo clima temperado é bem diferente daquele presente na tropicália tupiniquim.

No Velho Continente, utilizavam-se máquinas pesadas, queima de palhas de lavouras anteriores e revolvimento significativo do solo durante as plantações. Estas ações facilitavam muito a erosão da terra e assoreamento de rios, principalmente na época de chuvas fortes no Brasil.

A técnica de plantio direto seguia por outra vertente. Criada na década de 1940 por Edward Faulkner, uma década depois já era praticada nos Estados Unidos. Este método, chamado em inglês de “no-till farming” ou “conservative agriculture”, é hoje descrito pela Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO) como tendo as principais características:

  • Revolvimento mínimo do solo e minimização de danos por erosão (área revolvida de no máximo 15 cm de largura, ou menor que 25% da área cultivada);
  • Utilização de cobertura permanente da terra com restos da cultura anterior, permitindo ciclagem de nutrientes distintos e enriquecimento nutricional do solo (quantitativamente, áreas com cobertura menor que 30% não são consideradas plantio direto);
  • Rotação de tipos de lavoura (ao menos três), dando viabilidade para a chamada “safrinha” – plantação feita no período “menos fértil” do ponto de vista de condições climáticas.

A aposta feita neste sistema foi alta, pois o cenário dos agricultores paranaenses no início da década de 1970 era sombrio. Além da noite fatídica descrita no início do artigo, foi necessária também a resiliência do nosso personagem, culminando em um tour pela Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos, para que o sistema tivesse início no Brasil.

E quem era o alemão?

Herbert Bartz, nascido em Rio do Sul (SC) em 1937, viveu os horrores da segunda guerra mundial na Alemanha, tendo inclusive sobrevivido a um bombardeio ocorrido em Dresden, em 1945. De regresso à pátria-mãe, em 1960, estabeleceu-se na fazenda Rhenânia, onde aprendeu as habilidades de cultivar a terra com o pai e o irmão.

Herbert Bartz. Fonte: Agrolink
Herbert Bartz. Fonte: Agrolink

Em 29 de janeiro deste ano de 2021, tivemos a triste notícia do falecimento do Sr. Bartz, aos 83 anos de idade. No meio século decorrido entre a noite chuvosa e o início deste ano, o plantio direto evoluiu de “luz no fim do túnel” a uma referência mundial no cultivo de lavoura, tanto no Brasil quanto no mundo. De fato, em 2001 a FAO recomendou, em um congresso, o sistema de agricultura brasileira baseada no plantio direto, seguindo princípios de mínimo revolvimento do solo, cobertura permanente do solo e rotação de culturas.

Além do Sr. Bartz, outros nomes importantes para a implantação do plantio direto em nosso país foram:

  • Franke Dijkstra: holandês, vindo da Europa com seis anos de idade para fugir dos horrores da segunda guerra mundial. Aos 12 anos, assumiu a propriedade da família junto aos irmãos, devido ao falecimento de seu pai. No início da década de 70, ao iniciar os estudos e práticas de plantio direto, também foi chamado de louco. Foi um dos fundadores do “Clube da Minhoca”, em 1979, que mais tarde se tornaria a Fundação Brasileira de Plantio Direto na Palha (FEBRAPDP).
  • Manoel Henrique “Nonô” Pereira (in memorian): brasileiro, também pioneiro na implantação do sistema de plantio direto, foi o outro fundador do “Clube da Minhoca” e três vezes presidente da Federação Brasileira de Plantio Direto e Irrigação, atual denominação da FEBRAPDP.
Bartz, Nonô e Dijkstra. Fonte: G1.
Bartz, Nonô e Dijkstra. Fonte: G1.

Início e dificuldades

De acordo com Bartz, a primeira “fórmula” do plantio direto só foi trazida ao Brasil após uma pequena excursão, que à época contou com apoio logístico da atual Syngenta. Cinco décadas atrás, a logística de uma viagem como esta era complexa, ainda mais para um agricultor em situação de dificuldade financeira.

Em maio de 1972, Bartz visitou a feira Agritechnica em Hannover, onde não encontrou o que procurava. O próximo destino foi a Inglaterra, em Fernhurst, onde teve conhecimento do sistema de plantio direto, mas ainda com a característica de queima da palha, o que não o agradou. Por fim, foi em Kentucky, nos EUA, que Bartz finalmente viu in loco um sistema de plantio “formidável”, executado pelo agricultor Harry Young sob a supervisão do extensionista Shirley Phillips, utilizando uma plantadeira.

Pouco tempo depois, após encomendar uma plantadeira de oito linhas de soja em Wisconsin, em outubro de 1972 tinha início o primeiro Plantio Direto, em Rolândia. Houve certa “resistência da pesquisa e dos profissionais do mundo da agronomia”, nas palavras de Bartz. Mesmo assim, em 1974 o sistema foi conhecido por um grupo de japoneses de Mauá, que em dois anos já plantava 95% de suas áreas em PD.

Em 1976, entram na história os dois outros personagens principais: Frank Dijkstra e Nonô Pereira, de Carambeí, no mesmo estado. Após visitarem a propriedade de Bartz, começam a praticar o PD nos chamados “Campos Gerais”, uma região do centro-leste do Paraná que inclui a cidade de Ponta Grossa. Nessa região, em 1979, foi criado o Clube da Minhoca (nome dado em função da minhoca ser um indicador de fertilidade da terra), cujo objetivo era a troca de experiências e informações sobre o sistema de plantio direto. Este clube viria a se tornar, anos depois, a Fundação Brasileira de Plantio Direto na Palha (FEBRAPDP).

Evolução Exponencial

Após uma década inicial de muitas dificuldades, a associação de contribuições de multinacionais e o trabalho de milhares de agricultores brasileiros fez com que a adoção do plantio direto tivesse um crescimento formidável no Brasil. Iniciando com zero hectares em 1972, a prática chegou aos 232 mil hectares em 1982; 1 milhão e trezentos e cinquenta mil hectares em 1992; mais de 18 milhões de hectares em 2002 e, em 2018, atingindo a impressionante marca de mais de 32 milhões de hectares.

Evolução da área sob plantio direto no Brasil. Fonte: FEBRAPDP.
Evolução da área sob plantio direto no Brasil. Fonte: FEBRAPDP.

No cenário global, o panorama é similar. De acordo com Kassam, Friedrich e Derpsch (2018), em 2016 a prática de plantio direto (ou conservation agriculture) respondeu por aproximadamente 180 milhões de hectares em todo o planeta, com um aumento de 69% em relação à área praticada em 2009. E não é exagero afirmar que esta tendência de aumento continuará por algumas décadas.

A crescente adoção deste sistema é uma prova de seus efeitos benéficos, que certamente tiveram efeito impulsionador. De acordo com a FAO, os principais benefícios do PD são:

  • Econômicos: economia de tempo, necessidade de trabalho humano, custos associados a equipamentos pesados, e maior eficiência em termos de entrada e saída energética;
  • Agronômicos: aumento de matéria orgânica, conservação de umidade no solo e melhoria de estruturas do solo, assim como zonas radiculares;
  • Ambientais: Redução de erosão do solo, melhoria de qualidade da água e do ar, aumento de biodiversidade e sequestro de carbono.

Assim, 180 milhões de hectares e 44 anos depois, a ambição e perseverança do “alemão louco” de Rolândia foram responsáveis por iniciar um processo que viria a causar alterações profundas nas malhas de agricultura de todo o planeta.

E então, gostou de saber uma pouco mais sobre a história do Plantio Direto? Então comenta aí embaixo para a gente continuar produzindo conteúdo desse tipo.

Referências 
  1. Sementes Caiçara
  2. Blog Agro Pro
  3. Web Archive
  4. FAO
  5. Agrolink
  6. Canal Rural
  7. Agricultura Sustentável
  8. FEBRAPDP
  9. A. Kassam. University of Reading, School of Agriculture, UK

Fundador e Diretor Executivo da Sensix. Engenheiro Mecatrônico de formação e com vasta experiência no mercado de agricultura digital. Apaixonado por agricultura, drones e em fazer a diferença no mundo usando tecnologia.

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2 Comments

  1. Tiago Catalá Reply

    Muito bom! Interessante conhecer as condições que levaram Bertz a implementar o método por aqui. 👏👏👏

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