Crescente participação das mulheres no agronegócio estimula busca por especialização e pressiona por igualdade de gênero no setor.
Historicamente, o agronegócio era um setor ocupado por homens em sua maioria, tanto em cargos operacionais quanto de gestão. Nos últimos 25 anos, entretanto, o número de mulheres nos mais diversos cargos e áreas de atuação têm crescido consideravelmente quando o assunto é o trabalho no campo. Mas os desafios também aumentaram: a busca por paridade salarial, equidade no tratamento e reconhecimento são marcantes no que diz respeito à participação feminina.
Alguns programas surgiram para dar destaque a essas trabalhadoras, o que é mais um forte indicativo da presença feminina no agro. Desde de 2018, por exemplo, uma parceria entre a Bayer e a ABAG (Associação Brasileira do Agronegócio) visa homenagear mulheres por sua participação de destaque em diversos setores do agronegócio, por meio da premiação “Mulheres no Agro”. O evento caminha para a 5º edição e, ao que tudo indica, tem um futuro promissor.
Mas se engana quem pensa que o protagonismo feminino no ramo é uma novidade: segundo relatório do CEPEA (Esalq/USP), entre 2004 e 2015 cresceu cerca de 8% o número de mulheres com participação no agro. Em 2019, elas passaram a representar 38,2% dos funcionários do agro brasileiro, o que significa cerca de 41,7 milhões de trabalhadoras. Ainda assim, a desigualdade entre homens e mulheres ainda é uma realidade, mesmo que as últimas assumam cada vez mais cargos de liderança e funções que exigem força física e que, até então, eram desempenhadas exclusivamente por homens.
Se antes as mulheres ocupavam lugares em atividades como produção de produtos alimentícios e bebidas, têxteis e fabricação de móveis, agora atuam nos mais diversos setores: suinocultura, bovinocultura, soja, café, grãos e muitos outros. Mudou também o perfil de atuação, com mais mulheres em cargos de gestão – uma pesquisa do último Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicou que elas comandam 18,6% das fazendas, o que representa mais de 950 mil mulheres.
Com a participação crescente, muitos eventos e instituições voltadas especificamente para as mulheres do setor surgiram, como, por exemplo, o Congresso Nacional das Mulheres do Agro, a Missão Mulheres do Agro, o Observatório das Mulheres Rurais, entre muitos outros. Esses espaços têm estimulado a presença feminina no agro, além de facilitar a troca de informações.
Ainda de acordo com o CEPEA, a participação feminina no setor tem sido estimulada por um perfil bem específico: mulheres com mais de 30 anos e alta qualificação. Como consequência, a agroindústria alimentou a necessidade de aperfeiçoamento, possibilitando oferecer mão-de-obra mais especializada e com mais qualidade.
Especialização: parceria é segredo para o sucesso
Um dos principais parceiros para a especialização das mulheres no agro é o Serviço de Aprendizagem Rural (SENAR). De acordo com Deimiluce Coaracy, coordenadora do programa de formação do SENAR, o desafio é histórico. Em entrevista para o Canal Rural, Deimiluce afirmou que a gravidez precoce é um fator condicionante para descontinuar a formação dessas meninas, que acabam abandonando a escola. Por essa razão, a formação continuada têm sido uma grande aliada.
Um dos cursos oferecidos pelo SENAR mais procurados por mulheres é o de mecanização agrícola, serviço até então quase exclusivamente masculino. Entre formação em agricultura de precisão, agricultura irrigada, inclusão digital e muitos outros, a entidade formou mais de seis mil mulheres só em 2018. Esse resultado é consequência, também, do programa Mulheres em Campo, voltado para o público feminino com escolaridade a partir do 5º ano (antiga 4ª série), que ajuda a desenvolver competências de empreendedorismo, gestão, planejamento e desenvolvimento pessoal.
Na área de pesquisa, o cenário para elas também é promissor. No quadro de funcionários da Embrapa, por exemplo, são cerca de 330 mulheres em cargos de chefia, que compõem o grupo de 2,8 mil profissionais que atuam nos mais diversos projetos. Elas estão à frente de pesquisas em nanotecnologia, biotecnologia, sustentabilidade, pastagens e outros e estima-se que, na instituição, cerca de 900 profissionais possuam doutorado e pós-doutorado.
Nos ensinos técnico e superior, a participação feminina é ainda mais otimista. Na Esalq – USP, principal faculdade de Agronomia do país, as últimas turmas eram formadas, em média, 30% por mulheres. No curso superior tecnológico de Agronegócio, no município de Mococa (SP), elas representavam 60% da turma de graduação de 2020. Já na formação em Hidráulica e Saneamento Ambiental da Fatec (Faculdade de Tecnologia do Estado) de São Paulo, a presença feminina chegou a 40% no mesmo ano e a realidade é a mesma em outros pólos de diversas Fatecs.
A expectativa é que o agro deve despertar ainda mais o interesse das mulheres nos próximos anos, aumentando a demanda por cursos a nível de graduação, pós-graduação e especialização e fomentando a igualdade salarial e o reconhecimento dessas profissionais.
Desafios no caminho
Tudo indica que a participação feminina ainda deve crescer muito nos próximos anos. Entretanto, os desafios ainda são muitos. Uma pesquisa da ABAG feita com 862 mulheres de todo Brasil mostrou que elas ainda se sentem menos valorizadas que os homens. De acordo com esse levantamento, 44,2% das entrevistadas afirmaram perceber um evidente preconceito de gênero. Outras 30% apontaram que, apesar de ser sutil, o preconceito ainda existe e somente 25,8% declararam não ter identificado qualquer tipo de preconceito.
Já nos cargos de liderança, as nuances são ainda maiores. Ainda que 61,1% tenham afirmado não enfrentar qualquer problema relacionado ao gênero, 9,4% disseram ter dificuldades para serem levadas a sério, 8% sentiram suas habilidades questionadas, 17% foram alvos de dúvidas quanto aos seus conhecimentos e 8,8% relataram descrença sobre sua capacidade de negociação.
Com isso, aumenta a insegurança das mulheres, em cargos de liderança ou não. A constante necessidade de provar suas capacidades afeta a autoestima e, consequentemente, o desempenho no trabalho. Ainda de acordo com a pesquisa da ABAG, 3,6% das mulheres não se sentem preparadas, 40,9% relatam se sentir apenas parcialmente aptas para esse mercado altamente competitivo e somente 55,5% julgam estar totalmente preparadas para desempenhar as funções dos cargos que ocupam.
Rumo ao futuro
Sem dúvidas, as mulheres no agro já romperam diversas barreiras de preconceitos e estereótipos. Ocupando cargos de gestão, operacionais ou em cargos historicamente masculinizados, elas têm vencido os desafios do caminho, ocupando espaço e se mostrando verdadeiras motivadoras daquelas que sonham em construir uma carreira próspera no agronegócio.
Com perfil conciliador, essas mulheres têm trazido grandes mudanças para o campo, visando um ambiente com mais equidade e respeito. Ainda existem muitos desafios no caminho, mas o futuro do agro é um caminho cada vez mais aberto para elas. Evidentemente, isso só será possível com ambientes abertos, com oportunidades e destaque para aquelas nas quais seja possível se espelhar, conhecer a trajetória e se inspirar.
Fontes:
Todas as mulheres do agronegócio. ABAG, 2017
Mulher no campo: como a presença feminina no agro ganha espaço
Escolaridade é o fator que mais influenciou positivamente a mulher o salário da mulher no agro
Mulheres tomam a frente nas fazendas e grandes empresas do Agro
Deixe um comentário