Durante mais de uma década, a Soja Louca II foi um mal cuja causa era desconhecida dos sojicultores. Graças aos cientistas, a solução do problema está cada vez mais próxima.
Vagens de soja com lesões, rachaduras, apodrecimento e redução de grãos. Esses são os sintomas que por mais de 10 anos tem acometido as culturas de soja no Brasil Central e preocupado produtores em todo país. O fenômeno, conhecido como Soja Louca II, acomete as plantações do grão especialmente em regiões mais quentes do país, como Maranhão, Tocantins, Pará e Mato Grosso.
A consequência da doença é a elevada redução da produtividade, graças ao risco de abortamento de flores e vagens. Também a presença de impurezas – com grãos e tecidos da planta em processo de apodrecimento – compromete a lucratividade dos sojicultores.
Mas qual a causa dessa doença e por quê é tão difícil combatê-la?
História da Soja Louca II
A doença chamada Soja Louca II é uma variação de uma antiga conhecida dos sojicultores: a Soja Louca. Essa doença surgiu nos anos 1980 e o termo designa um problema fisiológico da planta que impede a maturação no tempo correto. Como consequência, a soja apresenta alto tempo de maturação no campo, conservando as hastes verdes e apresentando lento desenvolvimento foliar.
Já a Soja Louca II (ou SL-II) apresenta como principais sintomas o afilamento das folhas do topo das plantas e o enrugamento e engrossamento das nervuras das demais folhas. Outro sintoma diferente da SL-II em relação à sua predecessora é que na SL-II, a planta apresenta coloração mais escura e menor pilosidade, ou seja, um baixo revestimento de pêlos em relação às demais.
As primeiras ocorrências da SL-II se apresentaram na Safra 2066/2007. Por se tratar de um problema novo até então, diversos institutos científicos e pesquisadores se dedicaram a compreender as causas, a fim de encontrar possíveis tratamentos.
Foi somente em 2011 que o pesquisador da Embrapa Maurício Meyer, em conjunto com um grupo de pesquisa criado em parceria com diversas instituições, descobriu que, diferente do que se pensava até então, a SJ-II não era causada por um ácaro – como era o caso da Soja Louca – ou por vírus. Assim, a partir de 2012, os trabalhos de pesquisa passaram a focar na possibilidade de associação da doença com nematoides frequentemente encontrados nas amostras.
Em março de 2015, a conclusão: com o aperfeiçoamento das tecnologias e dos métodos de pesquisa em laboratório, os pesquisadores foram capazes de isolar e multiplicar o nematoide Aphelenchoides sp. Entre as instituições envolvidas nessa descoberta está a Epamig, localizada em Uberaba (MG), que desenvolveu uma análise específica para o Aphelenchoides sp que foi capaz de associá-lo à SJ-II.
Manejo da SL-II
A identificação do nematoide Aphelenchoides sp foi essencial para garantir bons resultados para os sojicultores brasileiros. Isso porque a doença vinha causando uma perda de até 60% de produtividade das culturas em todo país, preocupando principalmente produtores do grão do Pará, Tocantins, Maranhão e Mato Grosso.
Após as análises do Aphelenchoides sp, os pesquisadores conseguiram definir os caminhos para encontrar as melhores práticas de manejo da doença. Ainda segundo Maurício Meyer, não são conhecidas ainda cultivares de soja que sejam resistentes à SJ-II e, por essa razão, alguns cuidados precisam estar no radar dos sojicultores. São eles:
- Manejo adequado do solo
- Cuidado no trato da cultura
- Dessecação antecipada à semeadura do grão
- Controle efetivo de plantas invasoras imediatamente após a emergência da soja
É importante destacar que a SL-II não está associada a problemas nutricionais ou distúrbios fisiológicos, assim como foi descartada pelos pesquisadores a possibilidade de contaminação por meio de ataques de percevejos. Por essa razão, o foco dos sojicultores para evitar a doença deve estar em um bom manejo do solo, garantindo a saúde da terra antes mesmo de receber as sementes. Ainda assim, caso não seja possível evitar, as principais recomendações são:
- Fazer a colheita dos talhões infestados por último
- Na semeadura seguinte, plantar primeiro nos talhões que não foram afetados e só então nos que sofreram danos devido ao patógeno
Várias pesquisas têm sido desenvolvidas para minimizar os efeitos da doença. Apesar de resultados promissores nas práticas de mitigação de danos, pesquisadores alertam para a necessidade de acompanhar os estudos sobre o tema, além de seguir fazendo uso das boas práticas agronômicas.
O futuro do combate à Soja Louca II
De acordo com os pesquisadores Maurício Meyer (Embrapa) e Luciany Favoreto (Epamig), ainda que os resultados das análises sejam promissores, há muito a ser investigado. Isso porque as pesquisas demonstraram que outras culturas também têm capacidade de hospedar o nematoide e, por isso, foram avaliadas as respostas do Aphelenchoides sp no algodão, feijão, milheto, milho e sorgo.
Mesmo que somente o algodão e o feijão tenham demonstrado resposta ao nematóide – o que significa que sofrem danos com a atuação deste – é preciso tomar cuidado e atenção. No caso do algodão, por exemplo, o resultado nas plantas era de diminuição do porte, engrossamento de nós, dismorfias foliares, além de perda da floração, sintomas semelhantes aos manifestados na soja acometida pelo Aphelenchoides sp.
Outra conclusão da pesquisa, que avaliou também 22 variedades de cultivares de feijão, é que, ainda que todas tenham hospedado o nematoide, os sintomas manifestados foram distintos. Tal distinção é semelhante ao caso das cultivares de soja, apontando que a variabilidade genética pode ser um caminho para combater a SL-II.
Vale destacar que os cientistas analisaram 64 cultivares, que foram submetidas ao Aphelenchoides sp. Nessa amostragem, 62 espécies tiveram como resultado sintomas mais intensos e, até o momento, nenhuma das cultivares analisadas se mostrou realmente resistente ao patógeno.
Ainda existem muitos desafios para encontrar a solução, mas a descoberta de que a Soja Louca II é causada por um nematóide é um indicativo de como a ciência tem se dedicado cada vez mais a auxiliar os produtores. Por isso, é preciso estar atento às soluções vindouras, investir em tecnologia e seguir boas práticas de conservação de solo e combate a plantas invasoras.
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