O uso de Inteligência Artificial (IA) tem mudado a rotina não somente das indústrias alimentícias, mas de toda a cadeia, isto é, desde o produtor até o consumidor final.
O alimento saudável é essencial para manter nossas funções vitais. Ademais, há um forte componente cultural na alimentação humana. O alimento, junto com a água, são fundamentais para a sobrevivência e progresso das civilizações, não sendo raras as vezes em que foi a causa de deslocamentos, migrações e extinções. Antigamente, a sociedade se adaptava à alimentação, mas hoje a relação é inversa (MORLET, A. et al. 2019).
Por outro lado, nossos hábitos alimentares, considerando deste a produção de alimentos até o seu consumo, se tornaram insustentáveis. A produção de alimentos, da forma como é conduzida atualmente, gera significativos impactos ambientais, tais como, emissão de gás carbônico, eutrofização e utilização excessiva de recursos naturais (TILMAN, 2001) (BENNETT; CARPENTER; CARACO, 2001). Ainda, estima-se que um volume de aproximadamente 30% a 50% da produção de alimentos não alcance o consumidor final e seja descartado ao longo do processo de produção de alimentos (GUSTAVSSON, et al. 2011).
O sistema de alimentos, para melhor e mais sustentavelmente entender e atender as demandas atuais da sociedade, deve considerar fatores como a urbanização, a dinâmica capitalista e a segurança alimentar em tempos de mudanças climáticas. Isto passa pelo abandono do comportamento econômico linear (onde o alimento seria tão somente produzido, consumido e descartado), pela revisão do desperdício de recursos e alimentos, pela destinação e/ou disposição final ambientalmente adequada de resíduos sólidos, pela prevenção e/ou mitigação dos impactos ambientais negativos e, naturalmente, pela redução dos prejuízos econômicos (MORLET, et al. 2019).
Tais aspectos passam necessariamente pela introdução de um novo comportamento econômico não linear, ou seja, integrado ou circular. Desta forma, considerada dentro do contexto de novas propostas de modelos econômicos para a produção de alimentos, a economia circular tem se mostrado uma realidade bastante promissora na área alimentícia.
Neste sentido, note-se que os princípios da economia circular são advindos da ecologia industrial, a qual visa reduzir o consumo de recursos e descartes no meio-ambiente através da aplicação do conceito de metabolismo industrial dentro da ecologia. Nessa concepção, os sistemas industriais mimetizam os ecossistemas naturais, ativamente otimizando os processos ambientais (AYRES, R.U., AUSUBEL, J.H., SLADOVICH, H.E., 1989).
A gestão alimentar tanto no meio rural quanto urbano, dentro da economia circular, deve se propor à eficiência, eficácia, redução de impactos negativos tais como resíduos, bem como à maximização do ganho econômico. Essa abordagem representa uma gama de novos e desafiadores objetivos, como a redução do desperdício gerado pelo sistema alimentar, a reutilização do alimento, a utilização de subprodutos e restos alimentares, além da reciclagem de nutrientes e adaptações dietéticas que propiciem padrões de consumo mais diversificados e eficientes, dentre outros (JURGILEVICH et al., 2016). Com isso, objetiva-se na esfera urbana:
- Aquisição de alimentos cultivados de forma regenerativa e, preferencialmente, de produtores locais;
- Aproveitamento integral dos alimentos;
- Desenvolvimento e comercialização de produtos alimentícios mais saudáveis (MORLET, et al. 2019).
Ainda, é característico, na Economia Circular, que a atividade econômica seja tratada separadamente do consumo de recursos findáveis, eliminando ou reduzindo a geração dos resíduos do sistema desde o início, por exemplo. Neste sentido, segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), cerca de um trilhão de dólares são desperdiçados globalmente devido à ineficiência do sistema alimentar linear (GUSTAVSSON, et al. 2011). Em adição, as perdas econômicas no sistema alimentar ocorrem em diversos estágios e variam em países em desenvolvimento e países desenvolvidos. Nos países em desenvolvimento, de modo especial, essas perdas ocorrem mais frequentemente durante a produção do alimento devido à falta de tecnologia no momento da colheita, armazenamento, transporte e logística (LUNDQVIST, et al. 2008).
Para tanto, uma gestão do sistema alimentar voltada para a Economia Circular deve buscar apoio em diversas ferramentas como, por exemplo, a Inteligência Artificial (IA). Isto porque, a IA, por meio de técnicas como machine learning e deep learning, dentre outras, têm a capacidade de encontrar, de forma indutiva, padrões em grandes quantidades de dados numéricos que permitem uma maior assertividade no processo de tomada de decisões com respeito aos seus respectivos sistemas. Estas decisões, muito mais acuradas quando comparadas ao cérebro humano, configuram, dentro do contexto da Economia Circular, sistemas inteligentes direcionados a objetivos específicos.
De outro modo, a sinergia entre Economia Circular e Inteligência Artificial é descrita por diversos fatores, sendo assim, andam na mesma direção (RAJPUT; SINGH, 2019)
Assim, do ponto de vista da utilização da IA, numa abordagem econômica circular de sistemas alimentares, seria possível, por exemplo, determinar o momento e as condições certas da colheita, a quantidade certa a se produzir e a melhor forma de se distribuir produtos dos mais diversos. Com isso, seria possível a obtenção da redução dos custos de produção, o aumento da eficiência produtiva, a melhoria na qualidade dos produtos, a redução de desperdícios e aumento na reciclagem de materiais (RAMADOSS; ALAM; SEERAM, 2018).
Note-se, neste sentido, que a startup CMV Solutions, uma foodtech, utiliza a Inteligência Artificial no controle de estoque de bares e restaurantes. Como resultado disto, um bar de São Paulo obteve uma redução de 10% para 2% em termos do desperdício de bebidas.
Outro exemplo da aplicação em campo, dentro destas premissas, é construção de um protótipo para selecionar morangos verdes e morangos maduros, que aumenta a eficiência da colheita e reduz as perdas nesse processo.
Em suma, pode-se inferir que a aplicação de uma forma cada vez melhor e mais intensa da inteligência artificial na área alimentar certamente trará benefícios sociais, econômicos e ambientais, diretos e indiretos, ao desenvolvimento de uma economia circular nos mais diversos setores da respectiva cadeia produtiva, desde a geração da matéria prima, passando pelo processamento dos produtos alimentares, até o seu estágio final, ou seja, junto ao consumidor final.
Conheça mais sobre a Agricultura 4.0
Jéssica de Assis Silva Montanari¹, Mateus de Campos Leme², Luiz César Ribas²
¹ Faculdade Municipal Professor Franco Montoro (FMPFM), Mogi Guaçu, Campus FEG
² Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho” – UNESP, Faculdade de Ciências Agronômicas-FCA, Departamento de Engenharia Rural e Socioeconomia, Campus de Botucatu/SP
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